Propriedades dos tensoativos: detergência
Por Ricardo Pedro
A essencial diferença entre um detergente e outros agentes tensoativos reside na habilidade que este possui de “arrastar” sujidades de uma superfície sólida, ou seja, na sua capacidade de detergência. A maior ou menor capacidade que um detergente possui de remover sujidades está intimamente ligada à umectância, redução da tensão superficial, poder de espuma, formação de agregados micelares e emulsões. A detergência é sem dúvida um fenômeno superficial e coloidal que reflete o comportamento físico-químico da matéria nas interfaces.
Processo de limpeza – A limpeza de um substrato sólido envolve a remoção de materiais estranhos indesejáveis da superfície. Neste caso, o termo detergência é restrito a sistemas tendo as seguintes características: (i) o processo de limpeza é conduzido em um meio líquido, (ii) a ação de limpeza é um resultado de interações interfaciais entre a sujeira, o substrato e o sistema solvente e (iii) o processo não é a solubilização da sujeira no solvente, embora este processo deva desempenhar seu papel, ainda que pequeno, na ação detergente geral. A importância dos sistemas de limpeza não aquosos (limpeza a seco) também atende aos requisitos mencionados, mas não é tratada neste artigo.
Na detergência, assim como em outros processos de importância tecnológica, a interação entre os substratos sólidos e os materiais dispersos ou dissolvidos é de fundamental importância. Os tensoativos, sendo uma classe de substâncias que se adsorvem preferencialmente em diversos tipos de interfaces devido a sua estrutura anfifílica, têm grande importância no processo de detergência. Na maioria dos processos de adsorção relacionados à detergência é a interação da porção hidrofóbica da molécula do tensoativo que produz a ação detergente. Tal adsorção altera as propriedades químicas, elétricas e mecânicas das várias interfaces e depende fortemente da natureza de cada componente. Na limpeza de materiais têxteis com tensoativos aniônicos, por exemplo, a adsorção do tensoativo na fibra e na sujeira introduz interações eletrostáticas repulsivas que tendem a reduzir a adesão ente a sujeira e a fibra, suspendendo a sujeira e evitando a sua redeposição. Com tensoativos não-iônicos o mecanismo é menos nítido.
Entretanto, a repulsão estérica entre camadas de tensoativos adsorvidas e a solubilização são de extrema importância. Uma vez que em água a maioria dos tipos de sujeira e fibras têxteis são negativamente carregadas, a adição de tensoativos catiônicos pode ter um efeito prejudicial na detergência. Em tais casos, a adsorção do tensoativo, usualmente, é o resultado de interações eletrostáticas específicas entre os grupos iônicos, levando à redução da carga negativa líquida e a uma separação ineficiente da sujeira ou mesmo sua redeposição. Somente em concentrações muito altas de tensoativos, onde a adsorção de multicamadas pode produzir a reversão de cargas, tais efeitos podem ser úteis na ação detergente. Após a remoção da sujeira, entretanto, a ação de materiais catiônicos adsorvidos pode ser bastante desejável, como evidenciado pela sua popularidade como amaciantes têxteis, adicionados normalmente no enxágüe.
Tipos de sujeiras – Em geral há dois tipos de sujeira encontrados na situações de detergência: materiais líquidos e oleosos e materiais sólidos particulados. As interações interfaciais de cada um destes com o substrato sólido são, usualmente, muito diferentes e os mecanismos de remoção de sujeira podem ser, correspondentemente, diferentes. As sujeiras sólidas podem consistir de proteínas, argilas, carbono (fuligem) de várias características de superfície, óxidos metálicos, etc. As sujeiras líquidas podem conter gorduras da pele (sebo), álcoois e ácidos graxos, óleos minerais e vegetais, óleos sintéticos e componentes líquidos de cremes e produtos cosméticos. Assim como para as sujeiras sólidas, as características das sujeiras líquidas podem variam muito e ainda não foi desenvolvida teoria única de detergência que permita uma generalização do processo, mesmo que haja algumas similaridades entre os dois tipos de sujeira.
A adesão de ambas as sujeiras sólida e líquida a substratos sólidos é o resultado de interações de Van der Waals. A adesão por interações eletrostáticas é muito menos importante, especialmente para os sistemas de sujeiras líquidas, mas pode se tornar importante em alguns sistemas de sujeiras sólidas. A adsorção devido a outras forças polares, tais como interações ácido-base ou ligações hidrogênio, é, também, usualmente, de menor importância. Entretanto, quando isto ocorre, o resultado pode ser uma maior dificuldade de remoção pelos processos de limpeza normais. Devido à adsorção de sujeira ser predominantemente através de interações de Van der Waals, os materiais não polares, tais como óleos hidrocarbônicos, podem ser especialmente difíceis de remover das superfícies hidrofóbicas, tais como poliésteres. As sujeiras hidrofílicas (argilas, ácidos graxos, etc.), por outro lado, podem ser mais difíceis de remover das superfícies hidrofílicas, tais como algodão. As forças mecânicas também podem inibir a ação de limpeza, especialmente em materiais fibrosos com particulados sólidos, devido ao aprisionamento da sujeira entre as fibras. É óbvio, então, que o processo de limpeza pode ser extremamente complexo e resultados ótimos são possíveis somente para sistemas extremamente definidos, sendo que o detergente universal parece fora do alcance tecnológico.
Referências bibliograficas Meyers, D., Surfactant Science and Technology, 20th ed., VCH Publishers, Inc. New York (1988) Rosen, M. J., Surfactants and interfacial phenomena, John Wiley & Sons, New York 2nd ed. (1989)
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